05/09/2016

Estudo explica por que vagalumes e besouros emitem luz com cores diferentes


Elton Alisson | Agência FAPESP – Os vagalumes e algumas espécies de besouros possuem enzimas, chamadas luciferases, que conferem a eles a capacidade de emitir luz fria e visível (bioluminescência).
As mesmas enzimas que permitem aos vagalumes emitir luz com tonalidade verde-amarelo no crepúsculo, por exemplo, também fazem com que produzam luz com cor vermelha quando expostos a ambientes com pH ácido, sob altas temperaturas ou na presença de metais pesados. E também são responsáveis pelo fato de besouros emitirem luz com uma ampla gama de tons, independentemente do pH do ambiente.
Pesquisadores do grupo de bioluminescência e biofotônica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba, em colaboração com um colega da University of Electro-Communications, do Japão, desvendaram, por meio de uma série de pesquisas apoiadas pela FAPESP, os mecanismos moleculares que fazem com que as enzimas luciferases emitam luz de cores diferentes nos insetos bioluminescentes.
As descobertas foram descritas em um artigo publicado na revista Biochemistry, da American Chemical Society (ACS).
“Apesar de décadas de estudos, os mecanismos moleculares por trás da mudança de cor da bioluminescência de vagalumes e besouros e da sensibilidade das enzimas luciferases de vagalumes ao pH, temperatura e metais pesados ainda permaneciam desconhecidos”, disse Vadim Viviani, professor da UFSCar e primeiro autor do artigo, à Agência FAPESP.“Nosso estudo permitiu entender melhor, agora, como as luciferases produzem diferentes cores de luz”, avaliou.
De acordo com o pesquisador, as enzimas luciferases produzem bioluminescência em vagalumes e besouros por meio da catálise da reação de oxidação da proteína luciferina – uma molécula fluorescente que, ao ser oxidada, age como emissor de luz.
Dependendo do microambiente da região onde ocorre a reação de oxidação da luciferina (o sítio ativo), a cor da luz produzida pode variar do verde ao vermelho, detalhou Viviani.
Por meio de pesquisas realizadas nos últimos anos, os pesquisadores na UFSCar e em outras universidades e instituições de pesquisa no mundo identificaram que dois dos 550 aminoácidos que compõem a enzima luciferase – Glutamato311 (E311) e Arginina337 (R337) – têm cargas elétricas opostas: o E311 tem carga positiva e o R337, carga negativa.
Há alguns anos, Viviani fez uma mutação no aminoácido E311 e, dessa forma, conseguiu mudar a cor da luz emitida pela enzima luciferase de um vagalume brasileiro.
Já um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos também fez recentemente uma mutação no aminoácido R337 e conseguiu obter o mesmo efeito de mudança da cor da luz produzida e identificou que, coincidentemente, os resíduos do E311 e do R337 estão muito próximos na estrutura tridimensional da luciferase de vagalumes.
“Essas descobertas evidenciaram que esses dois aminoácidos eram importantes para a mudança da cor da luz emitida pelas luciferases, mas não se sabia qual papel desempenham na determinação da cor da bioluminescência”, afirmou Viviani.
A fim de tentar esclarecer essa questão, os pesquisadores e colaboradores fizeram agora mutações dos aminoácidos E311 e R337, que resultaram na mudança das cargas elétricas de um conjunto de luciferases que produzem diferentes cores de bioluminescência, clonadas por Viviani e seu grupo ao longo das últimas décadas.
Por sua vez, o professor Takashi Irano, da University of Electro-Communications, no Japão, sintetizou análogos de luciferina que interagem com partes específicas do sítio ativo das enzimas luciferases testadas.
As mutações dos dois aminoácidos de uma luciferase obtida a partir do vagalume Macrolampis s2 – encontrado na Mata Atlântica – que foram objeto da dissertação de mestrado da estudante Aline Simões, no programa de biotecnologia e monitoramento ambiental da UFSCar – indicaram que, como possuem cargas elétricas opostas, os aminoácidos interagem entre si eletrostaticamente e fecham o sítio ativo da enzima.
Com isso, o sítio ativo da luciferase torna-se hidrofóbico (repele água), resultando em um aumento da energia da luz produzida pela enzima, que, dessa forma, ganha tonalidade variável entre o verde e o azul.
Já a interrupção da interação dos dois aminoácidos por mudanças na carga elétrica de um deles ou alteração no pH do ambiente onde está a luciferase, por exemplo, promove a abertura do sítio ativo da enzima, permitindo a entrada de água.
“A luz produzida nessas situações é menos energética e assume uma cor avermelhada”, explicou Viviani.
Uma das autoras do estudo – a estudante Vanessa Rezende Bevilaqua, doutoranda no programa de genética evolutiva e biologia molecular da UFSCar, sob orientação do pesquisador e com Bolsa da FAPESP – identificou que a única luciferase que produz naturalmente cor vermelha, oriunda da larva trenzinho (Phrixotrix hirtus), não tem o aminoácido R337 e, portanto, não tem carga elétrica positiva.
A falta dessa carga positiva, que de outra forma atrairia a carga negativa do aminoácido E311e bloquearia o sítio ativo, faz com que a região não feche direito e que a luz emitida pela luciferase seja vermelha.
Os resultados foram corroborados por outras mutações em aminoácidos feitas pela estudante de doutorado na UFSCar Gabriele Gabriel e pela modelagem da estrutura tridimensional das enzimas pelo estudante Frederico Arnoldi, atualmente pesquisador da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
“Essas descobertas ajudam a explicar como as luciferases produzem diferentes cores de luz”, afirmou Viviani. “Isso abre a possibilidade de poder controlar melhor esses mecanismos para criar luciferases por engenharia genética que apresentem propriedades desejadas para diferentes aplicações biotecnológicas, como com uma determinada tonalidade de cor ou intensidade de luz”, afirmou.
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